A importância da saúde e do bem-estar do profissional da saúde como ferramenta crucial de apoio na vida e na carreira médica.

Ao cuidar de nossos pacientes, nós, profissionais de saúde, enfrentamos desafios no relacionamento com os pacientes e seus familiares, podemos sofrer ao vê-los adoecerem e falecerem, ter uma sobrecarga de trabalho, carecer de recursos humanos e materiais para atender as demandas.

Com isso, podemos sofrer com estresse relacionado ao trabalho por conta de um desequilíbrio entre as demandas, nossa capacidade de atendê-las e o suporte social no trabalho, que pode culminar em síndrome de burnout, problemas psicossomáticos, depressão, queda no rendimento laborativo, desencadear doenças físicas, ter impacto na nossa vida pessoal, abuso de substâncias e suicídio. Wallace, Lemaire e Ghali propõem até que o bem-estar dos médicos seja um indicador de qualidade do sistema de saúde, pois o sistema funcionará pior se os médicos não estiverem bem e, a meu ver, isso também vai ocorrer se os demais profissionais de saúde também não estiverem bem. Neste artigo, será explorado qual o impacto do estresse laboral e como cuidar de quem cuida.

Qual o impacto do estresse laboral?

Passamos pelo menos um terço de nossa vida no trabalho. García-Campayo e colaboradores destacaram que o estresse laboral pode gerar problemas como:

  • Físicos: tensão muscular, cefaleia, hipertensão arterial, insônia, dor crônica, taquicardia, doenças cardiovasculares, doenças cerebrovasculares, transtornos gastrointestinais e enfermidades dermatológicas (ex. líquen, dermatite seborreica, psoríase e outras);
  • Comportamentais: falta de comprometimento no trabalho, queda no rendimento laborativo, aumento do consumo de drogas lícitas ou ilícitas, alterações no apetite e abandono de condutas saudáveis;
  • Psicológicos: hostilidade, ansiedade, depressão, apatia, esgotamento emocional, cinismo, insatisfação, irritabilidade, frustração, problemas adaptativos e conflitos interpessoais.

O estresse laboral pode evoluir com síndrome de burnout, que é definida pelo CID-11 como decorrente de estresse crônico no local de trabalho que não foi gerido com sucesso. Essa síndrome é caracterizada por três dimensões:

1ª- Sentimentos de esgotamento ou exaustão;

2ª- Distanciamento mental do trabalho, sentimentos de negativismo ou cinismo relacionados ao trabalho;

3ª- Redução da produtividade; também pode evoluir com depressão e até suicídio….

Como cuidar de quem cuida?

Muitas vezes, o profissional de saúde é inadequadamente responsabilizado pelo próprio adoecimento, sendo visto como alguém incapaz de suportar as pressões habituais do trabalho. Entretanto, o bem-estar do trabalhador é complexo e multifacetado envolvendo as dimensões individual, profissional e organizacional. Enquanto Silva e colaboradores, ao analisarem a saúde como direito na perspectiva do cuidado de si, na concepção dos profissionais de enfermagem, reforçam que: “O profissional sente-se assujeitado a todo um contexto massacrante que o transforma numa verdadeira máquina de trabalhar e que não permite o próprio cuidado de si.”

O primeiro passo para “cuidar de quem cuida” é compreender a saúde na perspectiva do cuidado de si como um direito humano e constitucional como Silva e colaboradores bem disseram. Esse cuidado envolve tanto a saúde física como o conhecimento de si próprio quanto a seus poderes, haveres, limites e direitos. Entender que precisamos estar bem para cuidar bem do outro, buscando o autocuidado, permitindo ser cuidado e, quando necessário, buscando ajuda profissional de equipe de saúde assistente.

As profissionais de saúde brasileiras Ana Claudia Quintana Arantes e Cristiane Ferraz Prade criaram um programa pioneiro “Cuidando de Quem Cuida” para promover o autocuidado do profissional incluindo questões de sofrimento profissional por meio de oficinas e palestras. Esse trabalho gerou os livros “Cuidando de Quem Cuida” volume 1 e 2 junto com colaboradores, que fazem o profissional de saúde refletir sobre: como está seu autocuidado, seu preenchimento, sua significação da vida e do trabalho; se questionar sobre quantidade de dinheiro ganho versus qualidade de vida e tempo livre; validar o luto da equipe.

Também discorrem sobre a prática da Atenção Plena e da Kundalini Yoga, assim como os efeitos terapêuticos do toque humano. Programas semelhantes podem ser implementados nas instituições de saúde para promoção da saúde do trabalhador. Notamos que ainda são poucas instituições que promovem programas semelhantes no Brasil.

A fim de avaliar qual seria a eficácia das intervenções de redução do estresse dirigidas a profissionais de saúde individuais em estudos controlados randomizados, em comparação com nenhuma intervenção, lista de espera, placebo, nenhuma intervenção de redução do estresse ou outro tipo de intervenção de redução do estresse na redução dos sintomas de estresse, Tamminga e colaboradores fizeram uma revisão sistemática que foi publicada na Cochrane Database of Systematic Reviews em 2023.

Essa revisão mostrou que o estresse dos profissionais de saúde pode reduzir por meio de intervenções sobre o estresse a nível individual focados na experiência do estresse (pensamentos, sentimentos ou comportamento) ou longe dessa experiência (ex. relaxamento ou exercício). Esse efeito pode durar até um ano após o final da intervenção. Uma combinação de intervenções pode ser benéfica a curto prazo.

García-Campayo e colaboradores sugerem as seguintes estratégias para prevenir e reduzir situações geradoras de estresse laboral:

  • Nível individual: aprender técnicas de relaxamento; desenvolver estratégias de enfrentamento; melhorar o manejo de conflitos e emoções; tomar certa distância dos problemas, ser flexível e adaptável; adequada capacitação profissional; manter e cuidar da rede familiar/amigos; melhorar relações com colegas de trabalho; ter hobbies; praticar atividade física;
  • Organizacional: evitar autoritarismo; melhorar a comunicação com os trabalhadores; favorecer a promoção profissional; aumentar o grau de controle e autonomia dos trabalhadores sobre seu trabalho; distribuir adequadamente o trabalho entre os trabalhadores; promover programas de educação continuada, socialização e a união da equipe; reconhecer os esforços dos trabalhadores.

Sempre vale reforçar que as instituições de saúde devem fornecer boas condições de trabalho com adequada proporção de profissionais de saúde para número de pacientes conforme orientações dos conselhos profissionais, fornecimento de recursos materiais para execução do trabalho, além de possibilitar descanso, recuperação e nutrição adequados para seus trabalhadores. Para incentivar isso, são necessárias políticas públicas que favoreçam maiores orçamentos para a saúde e melhores condições de trabalho para profissionais de saúde como a regulamentação da jornada de trabalho de 30 horas para os profissionais de enfermagem.

Conclusão

O estresse laboral do profissional de saúde impacta não só sua vida pessoal e laborativa, mas pode afetar a qualidade da assistência à saúde prestada para sociedade. Para cuidar de quem cuida, é necessário resgatar com os profissionais de saúde, instituições de saúde e com a sociedade que a saúde é um direito humano e constitucional, devendo ser priorizado.

Devem ser incentivadas práticas de autocuidado, permitir ser cuidado, promover programas institucionais para cuidar de quem cuida, para reduzir o estresse laboral, socializar, promover um bom ambiente de trabalho e fazer ações de educação continuada, além de fornecer recursos humanos e materiais. Também são necessárias políticas públicas que favoreçam maiores orçamentos para a saúde e melhores condições de trabalho para profissionais de saúde.

Artigo escrito por: Renata Carneiro da Cruz

Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) ⦁ Residência em Pediatria Geral pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) ⦁ Residência em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA) ⦁ Mestre em Saúde Materno-Infantil pela UFRJ.

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