Apenas uma escova de dente.
Só uma.
Uma só.
Pode parecer triste.
Solidão ou liberdade?
Tudo parecia caminhar para o fim, em dezembro de dois mil e dezenove voltei para a casa da minha mãe. O câncer chegou devastando meu corpo físico, e trouxe com ele uma aliada temida por mim, a dependência. Me reconhecer frágil e vulnerável parecia um pesadelo. Mas eu fui acordada desse pesadelo, com muito cuidado e amor.
O exercício de autoconhecimento é contínuo, e passando por tudo isso pude enxergar o meu valor, o qual tantas vezes me deixei perder. Sim, eu merecia ser cuidada.
Tive medo dos olhares de dó, mas eles não vieram. Minha família e meus amigos derramaram compaixão em mim, e eu transbordei de alegria e gratidão. Alegria? Sim. Alegria. Por me sentir amada a cada noite em claro para que eu não perdesse o horário da medicação, a cada balde segurado por causa dos vômitos, a cada folga onde o descanso era trocado pela necessidade de me levar de hospital em hospital, a cada minucioso cuidado com qualquer movimento para que eu sentisse menos dor possível, até nas lágrimas que não foram contidas na minha frente… me deixaram triste? Não. Eu via verdade, e amor por poderem estar ali me cuidando. Via medo nos olhares, até porque a situação era bem delicada e poucos achavam que eu sobreviveria, mas nunca olhar de dó. Entendi que ali estava recebendo de volta todo o amor que sempre ofereci as pessoas. Aceitei. Recebi. Agradeci.
Hoje, de volta a minha casa, a escova de dente solitária no armário do banheiro representa muita liberdade pra mim, não porque eu me sentia presa, é uma liberdade diferente. É como se eu fosse uma gaivota com a asa machucada que precisou pousar num lugar seguro para descansar e ser cuidada, e agora está sendo devolvida a seu habitat natural.
Impulsionada por tanto amor recebido, retornei inteira, sem medo de me entregar ao vôo mais torto e belo da minha vida. Se esse sentimento vai mudar, eu não sei, até quando essa “tal liberdade” vai durar, também não sei, e também não quero saber. O que importa pra mim, é que hoje eu estou exatamente onde eu queria estar! De volta ao meu lar. Eu e Merlin (meu cachorro). Feliz. Felizes. E tudo bem se eu precisar voltar, precisar e aceitar ajuda é se reconhecer humano, mas só por hoje, quero eu mesma me cuidar. Amanhã a vida se encarrega de decidir como será.
Gratidão por todo esse tempo, pela minha família, meus amigos.
Gratidão pelo dia de hoje.
Sobre o autora:

Desde pequena, adora um balanço, sentir o vento gelado no seu rosto e a sensação de estar voando a faz se sentir livre. Mas também gosta de se sentir protegida dentro de um abraço quentinho.
Acredita que a vida é 10% daquilo que acontece com ela e 90% de como ela reage ,por isso a escolha de manter o sorriso no rosto sempre, e não foi diferente após a descoberta do câncer de mama metastatico em set/2019. Desde então segue vivendo intensamente um dia de cada vez,e tentando aproveitar da melhor forma possível o presente, mas nunca deixando de sonhar.